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Mostrando postagens com o rótulo #caminho

Canteiro

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Cromossomos metade, descubro-te cada dia inteira, em tua porção nova e desconhecida. Reveladora.  Brava e triste. Alegre e risonha. Ousada e solerte.  És o agora, em tua beleza fractal disruptiva. Perene em tua mudança, és a própria transformação. Derramas a porção de linguagem que em ti sobra, mesmente tu tua mãe, até calada. Caras e bocas, interjeições do existir: Maria escorre si mesmo enquanto o entusiasmo toma forma. Rompe.  Até quando a terei em meus braços? Hoje.  Até quando serei um teu colo? Agora.  O tempo do sempre ri de mim, frágil que sou, ignorante em julgamentos meus, primitivos. Presto à atenção.  Medito Maria, Beatriz que não é. Filhices. Maria canta para a Lua. “Sua linda”, define-a. Maria entra no jogo, adulta. És sabão na água da banheira, coentro na comida de quem gosta, rajada no pano da nossa nau: a cantiga em teu nome combina com a vastidão de teu primeiro e óbvio significante. Talvez mesmo a ária de uma sereia. Maria ama mergulhar. Meu exercício de pai é olhar

Amor em fluxo

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O rosto de quem já caminhou bastante, mas não o bastante e a expressão de quem ainda tem muito a caminhar, sendo, ela mesma, o Caminho a seguir.  Essa foto foi tirada quando minha segunda filha, Maria, tinha apenas 11 dias de vida depois de seu nascimento, no dia 31 de dezembro de 2019. Eu havia feito a peregrinação em doação no Japão por mais de uma centena de pessoas, mais de uma centena de pedidos e tinha voltado, mudado, transformado, mexido. Minha filha me falava de novos medos. De outra paternidade, de um caminho mútuo, de desafios e esperanças. De certezas, confirmações, entrega. Ela chegou sem surpresas, surpreendentemente ela, Maria, a mudar o mundo meu, da mãe, da irmã, de tanta gente. Demorei 47 anos para me preparar para sua chegada e finalmente estava pronto para caminhar com ela, com todos os meus tantos defeitos e dúvidas. Hoje, debaixo ou do alto dos meus 49 anos completos há alguns dias, olho para a paternidade como olho para meu quimono.  Comecei a fazer Karatê quando

De passageiros a condutores de suas próprias vidas

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O Trem das 7 segue cadência, por entre as tantas montanhas de Minas. Projeto rico, idealizado e posto pra rodar com a lenha dos maquinistas Tio Flávio , Érica Machado e Tânia Campos, encontrou sua estação no Albergue Municipal Tia Branca , da região centro-sul da capital mineira. Lá, pessoas em situação de rua tentam se refugiar das tantas perdas da vida, para se refazerem e continuarem a caminhar. São muitos os motivos que levam as pessoa a encontrarem essa situação em suas vidas. Um deles, o orgulho. É muito difícil aceitar que a engrenagem do mundo não tem como eixo o antropocentrismo umbilical. Outro, o medo. Será que vou ser julgado? Será que vou ser ouvido? Será que vou ser ferido? A droga do crack, a droga da bebida, a droga do fumo são só o segundo passo de quem já deu o primeiro na beirada do precipício. Muitas vezes, não há tempo de olhar para trás em busca de uma mão que nos segure, que não nos deixe cair. A batuta da Alcione conduz com maestria, pulso firme e c

O rosto da saudade

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Depois de trinta anos, olho finalmente para esta foto. Fragmento do sempre, átimo da existência, encontro da sutileza e da porrada da vida: outro dia eu tinha 10 anos. Mal inspirei, se passaram três décadas. Mal expirei, perdi o contato com a infância e a ingenuidade que tanto quis engaiolar... Olhando, vejo a primeira paixão, vejo a primeira ilusão. Vejo quem me virou o rosto sorrindo pra mim. Me apaixono por quem nem sequer sabe o meu nome. Há corações partidos e abertos, há pedidos de desculpas, há gargalhadas que esperaram pra sair e lágrimas que tardaram a secar. Há encontros e desencontros. Há muito mais encontros que desencontros. Vejo as mãos, abertas, vejo as mãos dadas de que nos falou Drummond. Vejo o brilho nos olhos dos que venceram, a esperança nos olhos dos que acreditam, rostos que tombam sinal de carinho, a alegria boquiaberta. Fito os mais inteligentes, os ditos incompreendidos, os mitos da minha geração. Sinto que nada foi em vão. Correspondi menos sonh

Ligações

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Meu celular tocou depois de muito tempo em silêncio. – Faaaaaala, amoreco! , atendi num sorriso, brincando carinhosamente com a minha amiga, a Psicóloga, Coach e Apresentadora Érica Machado. – Bê, preciso da sua ajuda. – A resposta é sim. Não sei o que é, mas vindo de você... (disse a ela, na sequência.) – Se lembra de uma amiga sua, a blogueira do Ócio do Ofício , a Laura Barreto? Você acha que ela topa se juntar com você para vocês serem madrinha e padrinho de um grupo de corredores de pessoas que estão em situação de rua? – A Laura? Ela é doida igual a gente, bora ligar pra ela! Claro que vai topar. Mas, espera, me fala mais sobre isso... você diz... tipo "mendigo"? É isso mesmo que eu estou entendendo?!? Foi assim. Há alguns dias, fui surpreendido com outra passagem em minha vida da tsunami conhecida como Érica Machado . Ela, por sua vez, foi pega pelo furacão que as pessoas chamam de Tio Flávio Cultural . Quando esse tipo de aval

Caminhando com a Ana

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No primeiro passo, descendo do avião ainda na conexão em Madri, começou a nossa divertida viagem com a pergunta da funcionária da Iberia, parceira da Latam, para a senhora que levava seus pais já idosos para a Europa: – Se quedan en Madrid? E ela: – Mãe, ela tá perguntando se você vai querer a cadeira de rodas. Foi nossa primeira gargalhada. Da Ana e minha. Fomos juntos para Lisboa, para de lá pegarmos um ônibus até Fátima, prestarmos nossas graças no ano jubilar, e iniciarmos nossa jornada até Santiago de Compostela, a pé, perfazendo 500 quilômetros (505km em um dos GPSs, 527 no outro). Foi uma viagem maravilhosa e foi uma viagem maravilhosa... Por mais que as previsões dissessem do frio rigoroso que castigaria Portugal no mês de março de 2017, e que andaríamos debaixo de chuva durante os 20 dias de jornada, não foi exatamente isso que aconteceu. Era pegar o Caminho e a chuva dava trégua, quando não abria um sol das regiões temperadas, iluminando o rosto da Ana, sec

Sobre dividir e compartilhar

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Existe uma diferença muito grande entre COMPARTILHAR e DIVIDIR. Suponhamos que uma pessoa tenha 4 laranjas. E ela seja obrigada por lei a compartilhar. Talvez essa pessoa não saiba, mas dividir não é o mesmo que compartilhar. Ela pode pensar: bem, vou dar uma laranja e ficar com três, eu acho que as laranjas são minhas mesmo... No meu modo de ver, ela está errada. Daí, ela pode pensar: bem, vou dar duas laranjas e ficar com duas. Acho que assim vou ser mais justa. Talvez a justiça, que a obrigou a compartilhar, ache que ela está certa.  Mas, no meu modo de ver, ela ainda está errada. Daí, ela pode pensar: bem vou dar 3 laranjas e ficar com uma. Ninguém vai ter mais nada o que falar. Talvez a mesma justiça acabe achando injusto, e pedindo que ela volte e dê apenas 2 laranjas. Ainda vou achar que ela está errada. Sabe por quê? Por um princípio simples. Compartilhar não é dar duas laranjas e ficar com duas. Ou, pior ainda, dar uma e ficar com três. Comparti

São Tomé

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Sonhei que comprei uma casa nova no caminho, ao lado de um Córrego. Quando chovia na cabeceira, o Córrego entrava e inundava todo o primeiro andar. Tudo o que guardei em minha lembrança ficava então debaixo d'água. E eu podia ser feliz novamente. Tentei tirar caixas de violino da água, botá-las pra secar. Violões, um piano, a barra de uma túnica muito minha, sagrada e branca, que estava em um cabide. Mas a água cristalina vinha e banhava o chão da sala da minha casa deixando tudo cristalino e limpo e lindo e líquido. Pedra. São Tomé. E, de repente, você voltou. E pude finalmente lhe mostrar o primeiro andar submerso onde eu entulhava as coisas todas. Terceira margem. Eu quis desviar o curso do córrego, você não deixou, e Ele, água, começou a banhar nossas vidas. Foi a partir desse dia que começamos a viver sempre descalços, só no segundo andar, com a água fresquinha envolvendo os pés que já caminharam tanto.

O Natal e a Verdade (para a mãe de minha filha)

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Há pouco tempo, um amigo me disse:  – Sabe? Quando ouvimos um lado só de uma história, sabemos muito pouco sobre ela... E pouco depois me deparei com essa imagem: Desde então, tenho meditado muito sobre isso. Meditei durante os meus três meses de peregrinação, inclusive. Quando escrevi um texto sobre o natal desse ano de 2015, que aqui coloco o link, eu não poderia supor que... SIM : o Menino Jesus estava me preparando uma surpresa. O Natal desse ano transcendeu a espera, o sonho, o meu conceito de alegria. A primeira foto desta página retrata um fragmento disso tudo, que ocorreu hoje, na hora do almoço, quando minha filha e sua mãe almoçavam na casa dos meus pais, em Belo Horizonte. Depois de uma espera de 4 anos, neste natal pude pegá-la sem ser cerceado, com a confiança devida, com o respeito que todo pai e toda mãe merecem. Minha filha vai ficar até o final de janeiro em Belo Horizonte e, finalmente, tenho a oportunidade de sair com ela como o pai que sou...

Questões de Linguagem e Tradução

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As minhas aulas no mestrado acabaram. Posso voltar para a casa da minha filha, onde moro, em Belo Horizonte. Daqui, da ilha interna de Florianópolis, paro e penso. E elejo a primeira coisa que devo agradecer em minha passagem por aqui: o encontro com Yeo N’Gana. Costamarfinense, magro, estilo corredor, das cambetas finas e compridas, voz grossa, sorriso maior que o rosto, maçãs do rosto bem salientes, olhos profundos, negro azul-marinho, Yeo é um irmão que ganhei depois de 42 anos de vida. Moral, ética e inteligência de fazer inveja, Yeo é uma vara de bambu. Resiliente. Forte. Firme e absolutamente natural. Seu silêncio grita: – “Quando você fala baixinho, nos ouvidos, a pessoa escuta com a alma.”, me disse um dia. Aprendi muito aqui nesses 4 meses intensos de quase prisão domiciliar. Mas aprendi mais mesmo tentando Traduzir o meu novo irmão Yeo. Pra começar, foneticamente, seu nome é um Koan Zen Budista. Quando o chamo, pergunto por mim: “E eu?” A letra “e” é fec

Só para quem tem vergonha

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Durante 5 anos dei aulas na Faculdade Estácio de Sá. Um período muito interessante, de muita aprendizagem. Onde fiz amigos, onde intensifiquei muitas amizades. Onde ganhei a admiração de alguns alunos e ganhei o ódio de alguns outros. Imagino que minha passagem por lá tenha tido saldo positivo, pelos feedbacks que tive ao longo do tempo. Certa vez, me vi com um dilema: um dos meus alunos mais simpáticos, de quem me lembro bem o nome, me entregou um trabalho final que a gente chamava de "ctl+c ctl+v". Chupado da internet. O trabalho inteiro era encontrado na universidade fluminense. À época, eu dava aulas de redação publicitária para mídia eletrônica, e produção em rádio e tv. Quem lida com textos todo dia, escritor por paixão, leitor razoável, sabe muito bem o que representa um estilo. Com um ou dois trabalhos se tinha a noção exata de quem sabia escrever, quem tinha bom domínio da articulação, quem possuía alguma técnica clara, quem tinha dificuldades, quem ti

Quero Amanhecer Mijado

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Eu era ainda um garoto de pouco mais de 17 anos. Talvez 20. Isso foi há uns 22 anos, portanto. Participei, não me pergunte exatamente porquê, de uma reunião de uma associação de músicos mineiros que se encontravam para lutar pelos direitos autorais. Eles continuam se encontrando, essa é uma questão sem fim, quanto mais em tempos de internet, DJ’s, mp3, e de uma época pós Napster.  Determinada hora, um deles, bem mais velho do que eu, fez um comentário sobre um associado "audaz" - pra homenagear o Grande Fernando Brant, que também fazia parte da associação e depois veio a presidir uma outra de muito maior envergadura e soluções pros músicos - que me deixou muito incomodado:  – Tá vendo? Mexer com menino dá nisso, a gente amanhece mijado.  Fiquei incomodado por três motivos básicos:  Primeiro é que a ação do associado audaz tinha sido unicamente audaz. Apenas uma ação feita sem consultar o reclamante, com o objetivo de dar solução a uma questão qualquer,

É Natal, filha.

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É muito difícil quando chega o natal.  O natal sempre foi uma época difícil em minha vida. Como meu pai foi o décimo quinto filho de uma família pobre de Teófilo Otoni, seus natais foram marcados pelas diferenças dos sobrinhos que tinham condições e meu pai que não tinha. Na família da minha avó, aquela história de comprar um sapato pra dois filhos e um ir com um chinelo e uma atadura no pé esquerdo e o outro ir com o chinelo e a atadura no pé direito pra aula foi verdade.  Meu pai foi marcado pelo palpite de vários e vários irmãos acima dele, cunhados e cunhadas que tinham idade pra serem seus tios e pais que já tinham idade para ser seus avós. Isso fez com que ele escolhesse o caminho da individualidade. Para virar o adulto (maravilhoso) que é. Acontece que o natal não tem a ver com individualidade. Não tem a ver com a escolha da partida. Tem a ver com a escolha da partilha.  E um dia, ele chega, podemos escolher: vamos ter natais marcados por nossas dores, ou nat