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Mostrando postagens com o rótulo #acreditar

De passageiros a condutores de suas próprias vidas

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O Trem das 7 segue cadência, por entre as tantas montanhas de Minas. Projeto rico, idealizado e posto pra rodar com a lenha dos maquinistas Tio Flávio , Érica Machado e Tânia Campos, encontrou sua estação no Albergue Municipal Tia Branca , da região centro-sul da capital mineira. Lá, pessoas em situação de rua tentam se refugiar das tantas perdas da vida, para se refazerem e continuarem a caminhar. São muitos os motivos que levam as pessoa a encontrarem essa situação em suas vidas. Um deles, o orgulho. É muito difícil aceitar que a engrenagem do mundo não tem como eixo o antropocentrismo umbilical. Outro, o medo. Será que vou ser julgado? Será que vou ser ouvido? Será que vou ser ferido? A droga do crack, a droga da bebida, a droga do fumo são só o segundo passo de quem já deu o primeiro na beirada do precipício. Muitas vezes, não há tempo de olhar para trás em busca de uma mão que nos segure, que não nos deixe cair. A batuta da Alcione conduz com maestria, pulso firme e c

O rosto da saudade

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Depois de trinta anos, olho finalmente para esta foto. Fragmento do sempre, átimo da existência, encontro da sutileza e da porrada da vida: outro dia eu tinha 10 anos. Mal inspirei, se passaram três décadas. Mal expirei, perdi o contato com a infância e a ingenuidade que tanto quis engaiolar... Olhando, vejo a primeira paixão, vejo a primeira ilusão. Vejo quem me virou o rosto sorrindo pra mim. Me apaixono por quem nem sequer sabe o meu nome. Há corações partidos e abertos, há pedidos de desculpas, há gargalhadas que esperaram pra sair e lágrimas que tardaram a secar. Há encontros e desencontros. Há muito mais encontros que desencontros. Vejo as mãos, abertas, vejo as mãos dadas de que nos falou Drummond. Vejo o brilho nos olhos dos que venceram, a esperança nos olhos dos que acreditam, rostos que tombam sinal de carinho, a alegria boquiaberta. Fito os mais inteligentes, os ditos incompreendidos, os mitos da minha geração. Sinto que nada foi em vão. Correspondi menos sonh

Onde está o Uber da segurança pública?

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Ontem, caminhando na rua de cima da minha casa, me deparei com uma mulher assustada que vinha em minha direção: – Moço, moço, não vai pra lá não, que um rapaz acabou de ameaçar uma mulher ali daquele prédio com uma faca enorme! Na mesma hora liguei pra polícia militar. O que se seguiu foi uma conversa pautada num protocolo que se explica, mas não se justifica. Apenas um exemplo:  – O senhor pode me dizer aonde foi? – Claro, eu estou na rua Rafael Magalhães em frente ao número 71, no bairro Santo Antônio. – O senhor pode me dar uma referência? Pensei comigo: A senhora já ouviu falar em google maps? E disse que não podia, porque não tinha nem um comércio que fosse referência ali. Ok, imagino que uma quantidade enorme dessas chamadas sejam originadas em vilas, "favelas", regiões de periferia que sequer tem um nome de rua e um número confiável... Mas o protocolo que explica a atitude da atendente que gritou comigo - sim, gritou; podemos pedir a gra

Só para quem tem vergonha

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Durante 5 anos dei aulas na Faculdade Estácio de Sá. Um período muito interessante, de muita aprendizagem. Onde fiz amigos, onde intensifiquei muitas amizades. Onde ganhei a admiração de alguns alunos e ganhei o ódio de alguns outros. Imagino que minha passagem por lá tenha tido saldo positivo, pelos feedbacks que tive ao longo do tempo. Certa vez, me vi com um dilema: um dos meus alunos mais simpáticos, de quem me lembro bem o nome, me entregou um trabalho final que a gente chamava de "ctl+c ctl+v". Chupado da internet. O trabalho inteiro era encontrado na universidade fluminense. À época, eu dava aulas de redação publicitária para mídia eletrônica, e produção em rádio e tv. Quem lida com textos todo dia, escritor por paixão, leitor razoável, sabe muito bem o que representa um estilo. Com um ou dois trabalhos se tinha a noção exata de quem sabia escrever, quem tinha bom domínio da articulação, quem possuía alguma técnica clara, quem tinha dificuldades, quem ti

Quero Amanhecer Mijado

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Eu era ainda um garoto de pouco mais de 17 anos. Talvez 20. Isso foi há uns 22 anos, portanto. Participei, não me pergunte exatamente porquê, de uma reunião de uma associação de músicos mineiros que se encontravam para lutar pelos direitos autorais. Eles continuam se encontrando, essa é uma questão sem fim, quanto mais em tempos de internet, DJ’s, mp3, e de uma época pós Napster.  Determinada hora, um deles, bem mais velho do que eu, fez um comentário sobre um associado "audaz" - pra homenagear o Grande Fernando Brant, que também fazia parte da associação e depois veio a presidir uma outra de muito maior envergadura e soluções pros músicos - que me deixou muito incomodado:  – Tá vendo? Mexer com menino dá nisso, a gente amanhece mijado.  Fiquei incomodado por três motivos básicos:  Primeiro é que a ação do associado audaz tinha sido unicamente audaz. Apenas uma ação feita sem consultar o reclamante, com o objetivo de dar solução a uma questão qualquer,

É Natal, filha.

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É muito difícil quando chega o natal.  O natal sempre foi uma época difícil em minha vida. Como meu pai foi o décimo quinto filho de uma família pobre de Teófilo Otoni, seus natais foram marcados pelas diferenças dos sobrinhos que tinham condições e meu pai que não tinha. Na família da minha avó, aquela história de comprar um sapato pra dois filhos e um ir com um chinelo e uma atadura no pé esquerdo e o outro ir com o chinelo e a atadura no pé direito pra aula foi verdade.  Meu pai foi marcado pelo palpite de vários e vários irmãos acima dele, cunhados e cunhadas que tinham idade pra serem seus tios e pais que já tinham idade para ser seus avós. Isso fez com que ele escolhesse o caminho da individualidade. Para virar o adulto (maravilhoso) que é. Acontece que o natal não tem a ver com individualidade. Não tem a ver com a escolha da partida. Tem a ver com a escolha da partilha.  E um dia, ele chega, podemos escolher: vamos ter natais marcados por nossas dores, ou nat

Sapoti

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O sapoti é uma fruta difícil de definir. Carnuda, do tamanho de uma laranja pequena, tem uma coloração, cor e sabor muito característicos. Minha amiga da França me perguntou como é. Eu pelejei pra definir e fiquei dias pensando com o que se parecia, para que ela tivesse uma ideia aproximada do que é um sapoti. Curioso. Fazendo mestrado em Tradução, isso faz todo o sentido pra mim. Não há como traduzir o sapoti. Como bem disse Rubem Alves a respeito de um poema, “o poema é como uma árvore. A gente não explica uma árvore. A gente se deita à sua sombra”. Pois bem. A gente não explica o sapoti. A gente parte ele no meio e come. E, se for esperto, planta as quatro sementes. Foi isso que eu fiz com o primeiro sapoti que minha filha me deu, do quintal dela, onde ela mora, em Recife. Marrom por fora, marrom por dentro. Por dentro, um pouco mais claro. Por fora, mais próximo à cor de terra, mas não terra negra, nem terra vermelha. Terra marrom. O sapoti tem como casca, um couro. Parece um cou

O Templo do Outro

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Vou montar uma igreja. Seu nome vai ser Templo do Outro. Primeiro vou comprar um lote, construir um anfiteatro de cimento, octogonal, com oito níveis de degraus, com oito pilares em cada um dos seus vértices, coberto de piaçava. Este lote não vai ter muros. Este anfiteatro não vai ter paredes. Entra-se por qualquer um dos oito lados, sai-se da mesma forma, por qualquer um deles. No centro, no nível mais baixo, um altar. Que não terá esse nome porque, conforme a etimologia da palavra, não vai ficar no lugar mais alto. Vai ser no mais baixo, símbolo da humildade humana. Podemos chamá-lo, portanto, de Coração. Na entrada (ou saída) norte, vamos escrever e inscrever, ainda com o cimento molhado, a letra Z significando Zehut, Retidão. Nosso norte vai ser a Retidão. No oeste, onde o sol se põe, colocaremos a letra M, significando Mehilá, o Perdão. Em seu lado oposto, no leste, onde o sol levanta, colocaremos a letra B, significando Beraca, ou seja, Bênção. E ao sul, colocaremos a letra H,

Para quem tem prateleiras.

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Essa é mais uma tentativa de fazer alguma diferença na vida de alguém. Hoje cedo, recebi de um amigo (dos mais antigos que tenho) um comentário irônico sobre o 4 a 0 do Santos no Clube Atlético Mineiro, time que torço, time que foi presidido por meu avô, o delegado de polícia Hélio Soares de Moura, na época que o Kafunga jogava. Fiquei curioso: o Cruzeiro teria ganhado de quanto, para que meu amigo viesse me sacanear? Não, ele empatou em casa, com o lanterna do campeonato brasileiro. O que quer dizer: o prazer do meu amigo - e digo amigo porque sei que ele é - era simplesmente com a minha “desgraça”.  Podemos analisar de um modo simples, como atitude corriqueira e sem nenhum fundamento. Acontece que quando deixamos essas coisas passarem e viram coisas corriqueiras, simples, estamos fazendo a nossa parte para que se perpetue a condição que queremos mudar, acredito. Não acho que o brasileiro é filho da puta por natureza. Não acho que a malandragem tá no sangue

A gente só quer um abraço, Dave Grohl.

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Você conhecia Cesena? Eu ia perguntar se você conhecia o Foo Fighters, mas aí eu fiquei com medo da resposta. Engraçado isso. Na faculdade, uma amiga começou a namorar um cara e fomos passar o final de semana no meu sítio, esquema casais. Vinho vai, vinho vem, sou surpreendido com essa pérola que regurgitou da garganta do porquinho: – “Elis Regina? Quem é essa dona?” Minha taça quase caiu, em ato de estupefação preconceituosa. Sim, acredito que somos assim. Muito preconceituosos. No meu caso, devo dizer, meus preconceitos são de outra ordem que não os mais comuns, passíveis de penalidades na legislação. Ainda assim, dignos de serem trabalhados. Por que cargas d’água eu deveria achar que todo ser humano habitante do Brasil com idade (hoje) de 40 a 45 anos, tem obrigação de conhecer, ou pelo menos ter alguma referência sobre Elis Regina? Me lembrou aquele ato preconceituoso contra o Zeca Camargo - um apresentador da Rede Globo - que fez uma crítica à comoção

Preciso mostrar a língua?

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Os modernos já usaram “vou bater um fio pra você”. “Disca pra mim”? Era usual. Há 150 anos, praticamente, não existia o telefone no mundo. Hoje, praticamente, ele também não existe mais. Não, não existe, praticamente. Existe a função de ligar para outra pessoa em um dispositivo, mas quase não se vê mais o telefone telefone. Dispositivos móveis. Poderiam muito bem ser chamados de computadores de bolso. Porque nem telefone de bolso são mais, bem da verdade. E, sem falar nas outras funções, a função híbrida, o contato de voz, o de imagem, o de voz e imagem, o de texto, o de texto e voz e imagem se misturam e se completam, recadamente falando, cutucalmente existindo. Presencialmente virtuando-se. Aliás... Virtual ou virtuoso? Máscara social, muleta semântica, válvula de escape, encontramos um modo matemático de resolução da ubiquidade. Me lembro de Santa Clara. Que virou santa (também) porque, entre seus milagres, a visão do que acontecia com São Francisco em outro lugar, quando ela não

Hosana

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Moro no arqueio das sobrancelhas de Beatriz. Vivo sua explicação da vida, sinto sua admiração compreensão duvidosa da existência, seivas suas simples verdades: “sou diferente, papai”. É sim, filha. Come mesmo a salsicha do cachorro quente antes. Deixa o pão pra comer depois. A gente bobo é que faz tudo junto, bobamente esperdiçamos o Tesouro de Kairóz comendo tudo junto, barulho que acorda Chronos, matalmente. Isso, sim, é desperdício do ócio do amor, é querer que a planta cresça logo, sem respeitar o Vento, a Chuva, o Sol. A natureza das coisas franze a testa de Beatriz. Eu, riacho de mim. Enquanto a chuva chove águas líquidas e molhadas na superfície aculturada de Recife, olho. Molho. Observo. Escorro me todo em poças pra Beatriz pular de alegria, espalhando águas e afetos, botas de borracha, gritinhos entusiasmados de aventureira menina. Me nina na rede. Me em todos os cantos, canta, cantilena sutil. É ave, é Maria, passarinha. Hosana, filha. Sou tão pequeno, sou só um acorde na m

Caixa de Lápis de Cor.

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Para ler o texto, inicie a música em respeito à minha mãe, por gentileza. – Filha, vamos combinar o seguinte: papai vai comprar um presente pra gente dar pra vovó Lili. Eu compro o presente e você faz um lindo cartão pra ela, que tal? – Quantos anos ela tá fazendo? – 70. – Só? – Só. E aí, o que é que eu compro? – Uma boneca! Toda menina adoooooora boneca! Claro que eu comprei. Pra minha menina mãe vovó. Sabe? É muito difícil escrever sobre ou para minha mãe. Quase uma unanimidade familiar, minha mãe é uma mistura de Madre Teresa de Calcutá com Coelhinho da Páscoa. Um cruzamento de fada-madrinha com Robin Hood. Da noite, o travesseiro. Do dia, a nesga de sol. Se o amor fosse uma árvore, minha mãe seria a clorofila. A Mega Sena acumulada do meu pai. Já pelejei pra defini-la um bocado de vezes e a minha melhor definição dela foi: minha mãe é uma caixa de lápis de cor. Não dá pra falar dela sem falar de gratidão. Não dá pra falar dela sem falar de fé. É impos

Amargo que nem jiló

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A bandeira do Brasil é verde porque vivemos em um país amargo que nem jiló. Preciso falar, mesmo sabendo que não há a mínima chance de ser ouvido. Pra começar, esse texto não vai viralizar. Não há cachorros sorrindo nele. Não há neném dançando como se fosse uma prostituta na boite. Não há champagne, não há cidades europeias, praias paradisíacas, mulher pelada, carros importados, sequer uma simples ode ao consumismo. Ou seja, nem meus dois mil e quinhentos “amigos” virtuais vão ler. Muito menos os duzentos que estão na fila pra que eu aceite a “amizade” deles. Se nem quando pedimos um clique solidário para ajudar uma entidade beneficente conseguimos espalhar a informação, imagine quando não há informação quente. É só um texto simples dizendo como o Brasil é amargo que nem jiló. Nenhuma novidade. Essa noite fui furtado (conferi o termo no Google). Furtaram o rádio do carro e o estepe. Não, não foi dentro da garagem porque moro em um apartamento muito antigo, financiado pela Caixa, que

Bom dia.

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– Você é mais bonito quando acorda. Não sei se foi uma frase de efeito. Mas resolvi passar a vida acordando.

Estátua

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– Raio congelante! E meu coração se aquece. Eis o mistério da fé. Coitada da Elsa. Mal sabe ela que pode congelar e ao mesmo tempo aquecer o coração de quem se ama. Minha filha adquiriu essa habilidade. Zap ! E pronto. Viro estátua. O Tempo ali não resiste. Kairoz toma conta de tudo. O mundo automaticamente entra em modo Stand By . Os passarinhos param no ar, o lixeiro para no ar, a bigorna para no ar, a fonte congela na foto. Para, Tempo! Por favor, não me deixe ir embora! Faça alguma coisa! Que vontade que nunca mais ela me fizesse a cosquinha ou o Boo-libertador ... Não coloco bateria nos meus relógios. É minha forma de protesto. E Beatriz a dizer ao Tempo que nos dê uma folga, que é preciso que ele não passe, pra ficarmos ali, sempreando, juntos, sorrindo, ou melhor, risando – como ela gosta de dizer. – Papai tá risando!, admira ela. E ri entusiasmo. Quando Deus dentro, paraíso fora. Elo. Daí ela pega a estátua, não importa o lugar que esteja, e começa a moldá-la. Mãos, pernas, b

Saliva

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De repente, volta. De repente, encanta. De repente, cheia, de repente, vazios. De repente em repente, rimas. Trovas. Trovoadas. Nuvens negras e solidão. Call, Marias. São muitas as mulheres desejo, são poucas as mães cuidado. São vítimas delas mesmas, são sós, mesmamente alones, alines, lucílias, letícias, lúcias, leilas, lauras, lindas, loucas. Os dias passam sem charme quando a paixão tira férias. Deus está no cantinho, explicou pra elas. Daí, viram a borboleta. Daí, viram moça. Daí, viram de bruços. Daí, rumores, humores, amores, sabores. O tempero da paixão está sob o travesseiro do dia a dia. Pro cure. E o dia lambe o tempo preguiçoso, como se não esperasse a noite chegar pelada.

Lagoo

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O silêncio tomou conta de mim choro, cordas, acorde entoo lamento lagoo me liquefaço enquanto sempre pedras do rio bamboo que atravessa torce, range, folheia chia e torce, navalhas O silêncio tomou conta de mim tomou café derramou, escorreu pelas fendas das cicatrizes Eu sei que você está lendo isso agora e quero dizer que silêncio tomou conta de mim gritava por socorro, gritava por perdão, gritava pela pele pelada do não nunca mais O silêncio tomou conta do bem O silêncio domou o querer O silêncio castrou o dever O silêncio silenciou o amor O silêncio é o rugido da dor De manhã, Diamantina De tarde, enternecido De noite, noivo Na madrugada, sequer de vestido Porque o silêncio tomou conta de mim Silêncio bordão, silêncio perda silêncio pé de moleque, sou eu descalço nas ruas coloniais do destino eu menino, atravesso Entraves Quando Desatino O matemático do amor resolve com números quânticos a equação da saudade

Telescópio

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Minha irmã, Gabriela, me fez um carinho difícil de colocar em palavras. Tento. Minha filha mora há 2.222km da minha casa. Lá, foi onde passou o dia dos pais. Gabriela pediu à mãe dela que gravasse: fala pra tia Biba o que você quer que ela compre pro papai de presente de dia dos pais. – Tia Biba, eu quero que você compre um telescópio pra papai! Disse ela, com apenas três anos e meio. Me espanto. Esse pedido é cheio de proximidade. Esse pedido é cheio de referências muito minhas que talvez ninguém ainda saiba. Quando eu tinha cerca de 10 anos de idade, Beto Bomfim, meu amigão – amigo do meu pai que me adotou como uma espécie de afilhado – me deu de presente uns binóculos. E isso marcou pra sempre a minha infância. Me marcou porque não pedi isso a ele. Me marcou porque, já naquela idade, intuí todo o simbolismo referente a um presente como esse... Me marcou porque foi meu amigo querido que morreu ferido com carvão em brasa pela palavra sexo, pela palavra

O dia do voto

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Voto. Nunca consegui ouvir ou ler essa palavra como um substantivo. Sempre ouço ou leio como um verbo. E na primeira pessoa do singular. A singularidade do voto é interessantemente bela. Porque nos fala da inserção social. Porque nos lembra da beleza de um grão de areia. Porque dignifica a gota no oceano. Não há como eu pensar essa imagem e não me lembrar de um filminho manjado, se eu não me engano da década de oitenta, do rapaz jogando as estrelas do mar que estavam na praia de volta no oceano. E quando perguntado: – São milhares!, você acha que jogando de uma em uma vai fazer a diferença? E o rapaz responde: – Fiz a diferença pra cada uma delas que joguei de volta... É mais ou menos isso... É que no caso do voto, cada um de nós é a estrela do mar. E não há ninguém que nos jogue pro oceano. Depende de cada um de nós, pro oceano ficar estrelado... Você já viu como um só grão de areia é lindo? Não temos a dimensão de um, até o separarmos do resto na pon