Quero Despedir




*Na foto, o "Portal Grande Sertão" do artista plástico Léo Santana.

Bem disse Guimarães Rosa: “Despedir dá febre”.

Pois bem, eu quero a febre. Quero despedir. Quero o não querer, quero o que vier, quero a natureza plena, toda, simples. Quero a mais pura verdade. Não quero pedir nada, quero despedir. Despido de desejo, despeço.

Pedido cobrança, pedido lembrança, pedido ciúme. Pedido questão, pedido perdão, pedido súplica. O pedido é o perdido que quer se encontrar. Mas não. Despeço, despido, despedido.

Nu que não aguarda roupa. Sem emprego que não espera trabalho. Quem parte. Quem despede pode partir em paz. Partir sem pedir é a liberdade total.

Amigo meu tem um caso de amor com Londres. Ele está na porta do prédio e joga uma moeda. Cara, esquerda. Coroa, direita. Assim ele vai, se perdendo, perdido, encontrando a inusitada presença do desconhecido, do não desejo, do que pode surpreender efetivamente. Quando não expectativa, o novo real se apresenta. Quando pedimos, ou somos atendidos, ou não. Ou vivemos em espera, ou em saciedade desestimulante.

O peito que sai pela primeira vez do sutiã, a primeira vez que seu corpo mergulha no mar, o primeiro olhar de encanto, o primeiro dia de aula, o primeiro cume, o primeiro lume, o primeiro suspiro.

Eu fui primeiro na vida de alguém?

Quais foram as primeiras vezes não pedidas, não perdidas, em que me encontrei presença, em que me encontrei presente, embrulho do destino, laço de fita do acaso, pitada do tempero de Deus?

A febre esquenta as partes quentes do ser que anuncio. Caminho sem tudo pedir. E o Nada se faz presença, nadamente sendo, humos da arrebatação, terra arada dos sonhos realizáveis, janela aberta dos passarinhos do mundo, veredas que acolhem borboletas, quero-queros, peixes e catitus.

O amor que despede é o único amor feliz.





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